MULTIZONA

Olhem sempre a MULTIZONA, minha revista virtual, ao lado direito do blog. Boa leitura


quarta-feira, 31 de março de 2010

DISFARSE

 Paisagens do Interior | Espera | LIANA TIMM | arte digital | 2009
atônita desconheço
a ironia do outro
na dobra da língua
paro
o olhar fisgante
pesca trejeitos
chuva de ventos
na dissimulação das rugas
a garganta cede seca
a respiração pede tempo
é o fim desta crença vazia
o que vem depois sacode
e não esclarece
o cristal
das palavras

LIANA TIMM | 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

CIDADE DO MEU OLHAR

Cidade do meu olhar | LIANA TIMM | arte digital | 2002

Sim, cidade do meu olhar.

Pois mesmo sendo de todos ela é muito minha. Gosto dela ao entardecer quando o céu nos oferece aquelas cores de liberdade. Principalmente em fevereiro quando todos, obrigatóriamente a deixam. Arranjam outros amores. Gosto dela ao amanhecer quando as águas, entre as margem esperam pacienciosas o vento, para agitar as velas. De barcos que ficam. De barcos que vão. Gosto dela todas as horas, mesmo quando arredia, se rebela contra nossas vontades.

Sentada à mesa, na ruela deste eterno Hotel, bebendo um vinho do Porto olho a Rua da Praia. Dalí acredita-se: tudo é possível.
A hora indefinida define nosso estado de espírito. Nos deixamos levar pela fantasia do filme alternativo de uma semana em cartaz, pois já é de bom tamanho para uma platéia tão ínfima.
Alí no calçamento histórico, ouvem-se passos. Certamente são os de quem fez a cidade de nosso andar, os becos encantados que nem em sonhos sonhamos, os céus que jamais seremos capaz de pintar.
Surpreendente! Basta lembrar do poeta que a cidade assume sua condição poética.

A cidade é poética. Pelo rio que não é rio, pelas ilhas, pelas ladeiras, pela cidade baixa, pelos viadutos, pela Catedral,  pelas praças. Pelos prédios antigos preservados. E os que ainda resistem.

Cidade das várias ruas que nunca andei, de um mapa heterogêneo que nunca memorizei, de pequenos e grandes problemas que sempre presenciei. Cidade de gente. Muita gente. Dos constrastes, de fases, trocas, humores,  crueldades. 
Generosidades.

A cidade é mais, é menos poética principalmente pela disponibilidade do olhar. Pela nossa curiosa vontade de recriar, transfigurar a realidade. Alguns dirão, mas então esta cidade que falas não é a cidade real! Ela é fruto de teus sonhos, desejos.... uma ilusão! Uma invenção!

Também.

A cidade do meu olhar é  mistura simbólica, pessoal, coletiva. Feita com tudo que sei, vejo, lembro e vivo.
Assim como a minha há várias. Infinitas Porto Alegre.
Esta é esboçada com a parcialidade do meu olhar simbólico, sentimental, emocionado. Lúcido.
É bom que se diga já de antemão, na imaginação a objetividade passa ao largo. Quer-se captar a alma da cidade, o dentro das ruas, os traçados urbanos herdados, os mistérios do indecifrável. Itinerários fascinantes escondidos. Encontrados pela intuição.
A cidade é volúvel em várias questões. Então o que estava alí não está mais. Está em outro lugar ou desapareceu de vez. O que era bom se tornou intragável.  O que era assim virou de vez e nem mais se reconhece.
Chamei mais o coração que o intelecto para criar esta CIDADE DO MEU OLHAR. Pois enfim, aprendi colocar no lugar e na medida certa o que realmente importa.


LIANA TIMM
Porto Alegre nos seus 238 anos. Março de 2010

domingo, 28 de março de 2010

REVERSO

 Olhar estrangeiro: New York | LIANA TIMM| arte digital | 2007

Um novo encontro. Contigo, é claro. 
Para decidirmos quando entre Beethoven e Mahler.
Posso entrar. Traz o gravador. 
E os teus lençóis com monograma.

Traz a peça composta dentro da cabine. 
Eu quero esse momento simultâneo.
A fauna e a flora das tuas interrogações. 
Quero me perder no cotovelo dessas pautas.
E estranhar a silhueta.

Em Nova Iorque.
Quero novamente disfarçar na esquina e empurrar a porta.
Encostada para esta tentativa. 
Quero é me arrastar nessas memórias infalíveis.
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Enquanto o sol tombava o amor perfeito 
nós regávamos dentro as violetas.

LIANA TIMM
Poesia do Livro ESTADOS EMPÍRICOS de LIANA TIMM, TDA Editora, Porto Alegre, 1989. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA

EFÊMERA

Céus de setembro | LIANA TIMM | arte digital | 2000

O amor é uma dor profunda. Amar é temer

Temo

Por nós. Nesse momento abrasador.

A sensação penetra fundo na alma.
Alma sim
nenhuma expressão modernosa
diz tão bem aquilo que não sabemos.
E roça como um choque as paredes.

Mas não se morre. Se ultrapassa.

Gosto de ultrapassar, pois do alto entendo mais as borboletas.

       
LIANA TIMM
Poesia do Livro ESTADOS EMPÍRICOS de LIANA TIMM, TDA Editora, Porto Alegre, 1989. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA

IRREMEDIÁVEL

Eternas paixões | LIANA TIMM | arte digital | 2001
Difícil mensurar
o amor do outro
Mas acredita!
O meu se desconhece
até pra mim

E é por isso
por essa ausência de medida
que às vezes desmedida
desatino em fogo
e tempestade

Desordenada
carente de sabedoria
e abandonada
de mim mesma
busco a tua mão

Neste interlúdio
de insucesso
me abandono
também de ti
Aí abandonada
rondo numa dor inflexível
que silenciosa
rompe
dilacera o ser
acordado
para uma solidão
tida como remediável

Difícil mensurar
o amor sem vulcões
essência sem excessos nem ecos

Difícil
mas imprescindível
não perder o centro da terra
Os deslocamentos
nos deixam
constantemente
à beira de abismos

LIANA TIMM
Poesia do Livro TRILOGIA DO INDIZÍVEL de LIANA TIMM, TDA Editora, Porto Alegre, 1997. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA

FLORAL

 Amenas Inferências | LIANA TIMM | silk screen | 1986


apimentado zelo da língua
prova o que arde
na boca cheia e seca de tardes

cautelosa não responde
embora cada letra chegue
em terremoto

inquieta espera o coração
recuperar a ritmia suportável
combustível pronto a delatar
o que incomoda

agora algo se move
num meio de corpo
indefinido espaço
entre calçadas como cachorro
atravessado na rua

respostas trancam
no poço da boca

LIANA TIMM 2010

sábado, 27 de março de 2010

TEMPESTADE

Estados empíricos | LIANA TIMM | arte digital | 2008

calo mais do que percebo
e quando calo
há mar bravio represado
na falacala
engole a pedratreva
dentro de mim

vejo mais do que olho
e quando olho
a coisa salta se arremessa
sangue transfusante
palpitado em mim

ouço mais do que quero
e a palavra perfurante
rompe o dicionário dos sentidos
som dilacerante
corpo afora
comovido sobre mim

LIANA TIMM 2010

RASTROS DA IMAGEM

 Guardados | LIANA TIMM | acrílico sobre tela e colagem | 1995

Há quem queira tornar perene o efêmero. Consegue?
Na foto meu vestido é outra pele. Emprestada pele de um outro. Achada e negada intermitentemente.
Perturba-me o fotografado. Prova da existência. Morta. Momento de percurso passado no próprio presente passado. Prova do outro lado. Da face. Prova dos nove. Amores. Da tragédia.  Da comédia interior.
Reconhecer na prata o verdadeiro é coisa sem comum.
Negar da expressão o sulco. Tranquiliza. Ameniza o olhar.
Há quem insista na exatidão do foco. Mas por quê? A exatidão é o nada agora fixado assim de sopetão.
Sem sentido, o trajeto obturável. Carente, a foto desse jeito. Carente e perfeita. Precária. Como o exame clínico de rotina.
Seu curso? Recurso do sentido eterno. Que de terno nem os tons. Passíveis de perder cromia.

♣   ■ ■ ■   ♣

As coisas servem ao exercício mais que os corpos. Servem-se paradas aos gestos calculados. Os homens não. Há sempre um movimento reduzindo a chance estática. Com maçãs prepara-se o arranjo. Maçudas. Pesadas diante do vidro.
♣   ■ ■ ■   ♣

Uma face mesmo bem intencionada faz vibrar o coração de sensação e terremoto.
Defendido, o olhar destrói o refratário do desejo. E quem deseja possuir alguma aparição corre atrás do captado. Cria o rastro e a imagem. Assim, não mais a máquina. Assim, a ação do olhar e sentimento. As fotos verdadeiras. Espectros tendenciosos. Aspectos fugidios. Se vistos frontalmente. Daquela exigência.
Há quem queira do efêmero o caminho. O arrastado ir adiante. É aí que a foto capta aquele rastro e vitoriosa quebra o seu limite traiçoeiro.
Entre um começo e outro existem mil versões primeiras.

LIANA TIMM
Prosa poética do Livro MISTURAS PRINCIPAIS de LIANA TIMM, TIMM&TIMM Editora, Porto Alegre, 1992. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA
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UMA FORMA DE ARDOR

 Espelho | LIANA TIMM | arte digital | 2005

Sim. Eu sempre quis assim. Inesperado, difuso, surpreendente. O sangue pulsando, embriagando o pensamento. Enlouquecendo a razão. Transformando o olhar, a visão do que se quer, do que se busca, do que se é capaz.

Eu sempre quis a embriaguês das vertingens, dos choques, das correntezas. Das maldições rogadas. Das noites onde as pulsações não tem limites e os papéis se alargam em testes.

Eu sempre quis viver o indizível, esse sentir buscado na maciez da carne onde a vida não se ausenta, ao contrário: prefere. Onde a vida não pergunta, se oferece restingindo a dúvida. Me atrevo a te dizer que sempre desejei a implosão do insustentável e é insustentável não deixar acontecer cometas, meteoros, nesse céu de nuvens entre as nossas pernas.
Nesse exílio de segredos, estilhaços de um prazer revelado outro e sempre ou-tro, são descuido. Excessivos.

Me permito em ti, assim, arriscada, sem controle. Vazada pelas tuas incursões no que de mais secreto pulsa em mim.

Me permito aproveitar de ti o que não se compreende, o que se vive. O que sem cerimônia aparece a descoberto e...engraçado, nem me importa saber que alcançaste - como um sábio - a chave dinamite, corda flamejante da minha história.

Sim, estremeço simplesmente sem receio que as tempestadoes em algum momento possam deslocar as pedras dos leitos, possam rasurar aos poucos os azuis de nossos dias.

Aqui neste presente - onde promessas não cabem - quanto mais te tenho mais desdobra-se paixão e gozo: múltiplos desejos acre doces, luz e sombras frente e versos de expectativas.

LIANA TIMM
Prosa poética do Livro TRILOGIA DO INDIZÍVEL de LIANA TIMM, TERRITÓRIO DAS ARTES Editora, Porto Alegre, 1997. Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA
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PRETEXTO

Homenagem à Bischop | LIANA TIMM | ARTE DIGITAL | 2001

Povoamos o ambiente de imigrantes
achados em lojas
casas de parentes
doações ou trocas
variáveis toques da China, Peru, Marinas
Estranha composição de talentos
é a cristaleira, a leiteira, a meleira
Testemunhas criadas pela convivência
Perfumes nascidos das madeiras
das camas eclipsadas e mornas
Essências acumuladas nas fibras
onde o parasita conserva latente
a nostalgia afetiva
e uma ingênua sabedoria

Somos nas coisas
na lamúria e rangido das cadeiras
na dimensão perigosa e trágica do cenário
depósito desta nobreza hereditária
que se reproduz mesmo sem contato

No tabu absoluto do conjunto
somos o pretexto
o passaporte das visitas
a vasculhar o ambiente
na esperança de tragar a incógnita
povoada de imigrantes
achados em lojas
casas de parentes
doações e trocas



LIANA TIMM
Poema do Livro AMENAS INFERÊNCIAS de LIANA TIMM,  Editora MOVIMENTO, Porto Alegre, 1986. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA
 

REFLEXO

 Paisagem do interior | Citação | LIANA TIMM | arte digital | 2009

escrevo no afã
de reter o desamparo
solitária busca
sedução

o rio em que escrevo
me espelha como um retrato
no liso plano do papel

sou atrasada
não interpreto mancha borra fluído
todo sentido corre
oprimido nas veias


LIANA TIMM 
Poema do Livro ÁGUA PASSANTE de LIANA TIMM, TERRITÓRIO DAS ARTES Editora, Porto Alegre, 2009. Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA
 

UM OUTRO LUGAR

Paisagen do interior | LIANA TIMM | arte digital | 2009

quero
uma vida onde o embaraço silencie
o disfarce
onde a confissão discuta as trevas

não quero a afinação das mágoas
quero questões sim
que desalinhem


 LIANA TIMM 
Poema do Livro ÁGUA PASSANTE de LIANA TIMM, TERRITÓRIO DAS ARTES Editora, Porto Alegre, 2009. 
Onde encontrar: LIVRARIA CULTURA, BAMBOLETRAS, PALAVRARIA
 

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QUERIDOS AMIGOS!

Esta é a minha primeira postagem neste endereço. Resolvi trocar de blog pelas dificuldades encontradas no tumblr.com para personalizar minha página. Não havia possibilidade de interação naquela modalidade e senti falta de poder trocar com vocês as nossas experiências. Migrarei meus escritos e imagens para este novo sítio esperando dar início a esta enriquecedora prática contemporânea.

Espero que gostem
Liana Timm