Cidade do meu olhar | LIANA TIMM | arte digital | 2002
Sim, cidade do meu olhar.
Pois mesmo sendo de todos ela é muito minha. Gosto dela ao entardecer quando o céu nos oferece aquelas cores de liberdade. Principalmente em fevereiro quando todos, obrigatóriamente a deixam. Arranjam outros amores. Gosto dela ao amanhecer quando as águas, entre as margem esperam pacienciosas o vento, para agitar as velas. De barcos que ficam. De barcos que vão. Gosto dela todas as horas, mesmo quando arredia, se rebela contra nossas vontades.
Sentada à mesa, na ruela deste eterno Hotel, bebendo um vinho do Porto olho a Rua da Praia. Dalí acredita-se: tudo é possível.
A hora indefinida define nosso estado de espírito. Nos deixamos levar pela fantasia do filme alternativo de uma semana em cartaz, pois já é de bom tamanho para uma platéia tão ínfima.
Alí no calçamento histórico, ouvem-se passos. Certamente são os de quem fez a cidade de nosso andar, os becos encantados que nem em sonhos sonhamos, os céus que jamais seremos capaz de pintar.
Surpreendente! Basta lembrar do poeta que a cidade assume sua condição poética.
A cidade é poética. Pelo rio que não é rio, pelas ilhas, pelas ladeiras, pela cidade baixa, pelos viadutos, pela Catedral, pelas praças. Pelos prédios antigos preservados. E os que ainda resistem.
Cidade das várias ruas que nunca andei, de um mapa heterogêneo que nunca memorizei, de pequenos e grandes problemas que sempre presenciei. Cidade de gente. Muita gente. Dos constrastes, de fases, trocas, humores, crueldades.
Generosidades.
A cidade é mais, é menos poética principalmente pela disponibilidade do olhar. Pela nossa curiosa vontade de recriar, transfigurar a realidade. Alguns dirão, mas então esta cidade que falas não é a cidade real! Ela é fruto de teus sonhos, desejos.... uma ilusão! Uma invenção!
Também.
A cidade do meu olhar é mistura simbólica, pessoal, coletiva. Feita com tudo que sei, vejo, lembro e vivo.
Assim como a minha há várias. Infinitas Porto Alegre.
Esta é esboçada com a parcialidade do meu olhar simbólico, sentimental, emocionado. Lúcido.
É bom que se diga já de antemão, na imaginação a objetividade passa ao largo. Quer-se captar a alma da cidade, o dentro das ruas, os traçados urbanos herdados, os mistérios do indecifrável. Itinerários fascinantes escondidos. Encontrados pela intuição.
A cidade é volúvel em várias questões. Então o que estava alí não está mais. Está em outro lugar ou desapareceu de vez. O que era bom se tornou intragável. O que era assim virou de vez e nem mais se reconhece.
Chamei mais o coração que o intelecto para criar esta CIDADE DO MEU OLHAR. Pois enfim, aprendi colocar no lugar e na medida certa o que realmente importa.
LIANA TIMM
Porto Alegre nos seus 238 anos. Março de 2010